terça-feira, 30 de agosto de 2011

Em nome da sobrevivência no planeta

foto Dulce Helfer

Quando a maioria de vocês ainda não tinha nascido, há 40 anos surgia o movimento ecológico brasileiro, em Porto Alegre, na Agapan - Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural.
Até então já havia pessoas que lutavam pelo conservação da natureza, por admiração e respeito.
Pessoas como estas criaram o movimento ecológico numa luta, que não era mais só para proteger a natureza, mas para permitir a sobrevivência da humanidade também.
Hoje
De lá para cá, muita coisa mudou, inclusive as pessoas que participam do movimento. No começo a luta era quase que exclusivamente para impedir a destruição de árvores, morros, rios e parques.
Hoje, a luta ambiental quer também encontrar formas melhores de fazer as coisas, reaproveitar os restos de nossa sociedade e discutir se algumas coisas são realmente necessárias para o nosso bem-estar.
Hoje, estamos em um momento interessante, que envolve toda a sociedade, na busca de soluções para viver melhor.
Todos nós somos importantes porque contribuímos para fazer com que o mundo esteja como está.
Existem duas maneiras de atuar na nossa sociedade: a forma ativa e a passiva.
Os ativos são em menor quantidade. Alguns defendem ativamente a natureza. Outros, a destroem desmatando, poluindo e explorando-a de forma agressiva.
Os passivos são a maioria e, aparentemente, não fazem nada, mas isto não é verdade. Todos nós compramos coisas e temos uma forma de viver que é a nossa. Isto, embora não pareça, é muito importante e também pode ajudar ou atrapalhar a questão ambiental.
Como modificamos
Quando compramos um veneno para matar baratas em casa, estamos atuando sobre o meio ambiente. Através das baratas, aquele veneno vai começar a fazer parte do meio ambiente. Se ele for um veneno que não é biodegradável, vai entrar no ciclo da vida e acabará voltando para nós, através dos alimentos. O que um dia esteve em uma barata ou formiga, amanhã poderá estar na gente.
Além do perigo imediato do veneno, quando compramos, estamos também estimulando a indústria a produzir mais veneno. Afinal, o que não é vendido não é produzido.
Quando ligamos uma luz desnecessária ou qualquer outro aparelho elétrico, estamos aumentando o consumo de energia e, para isto, vai ser queimado mais carvão ou vão ser inundadas mais terras com barragens para produzir a energia que gastamos.
Quando compramos um alimento para comer ou beber, cheio de produtos químicos, estamos consumindo algo que não é saudável ao invés de alguma coisa natural e estamos incentivando a produção dessas coisas.
Quando desperdiçamos papel, estamos desperdiçando as árvores das quais o papel é feito.
Quando jogamos na terra produtos químicos, estamos envenenando a terra e a água que são as fontes da nossa alimentação. Tudo o que vai para a terra, a chuva leva também para os rios ou para as nascentes destes rios.
foto Dulce Helfer

A lição da ecologia
Através da ecologia, o homem descobriu que a vida não é apenas um somatório de acontecimentos isolados. Ao contrário, tudo está relacionado.
É muito bonito ver como somos ligados e dependentes da natureza. Tudo o que ela faz influi sobre a gente.
O veneno que o vizinho usou no jardim, amanhã poderá estar no nosso organismo produzindo uma doença. A poluição das fábricas, que incentivamos comprando, torna a vida pior.
Tudo influi sobre tudo. E por isto, quando se fala em consciência ecológica, se fala em ver o mundo de uma forma global. Isto é porque o que os países estão poluindo em seu território já está matando os animais lá longe, no pólo, através da água dos rios que acaba no mar e através do ar poluído que também chega lá.
Tudo isto não significa que tenhamos que tornar a vida algo desagradável, onde não se possa fazer nada de bom. Pensar assim, ao contrário, é libertar a humanidade de toda a mentira que ela mesma criou. A mentira de ficar comprando os alimentos pelas embalagens, sem se preocupar com o conteúdo. Quando comprarem as coisas, pensem no que elas vão causar para sua saúde ou quanto as embalagens delas podem vir a sujar o mundo. Pensem sempre sobre os efeitos de cada uma das ações de vocês no dia-a-dia. É exatamente o ato de pensar que pode libertar o homem da destruição do nosso planeta que é único.
Abraçar um amigo, sorrir para a namorada, conversar, caminhar, aprender-ensinar, são as coisas verdadeiramente boas, não poluem e tornam o mundo mais belo. O resto é enfeite.
texto publicado no jornal Zero Hora em 3 de junho de 1989.

Água: necessidade radical

 foto Dulce Helfer

A água será, nos próximos anos, o principal motivo de preocupação mundial. As próximas guerras serão realizadas em nome da água, ao invés do petróleo. A água limpa não é só base essencial para todos os processos vitais, nossos e de todos os demais seres vivos, ela é básica para toda e qualquer atividade produtiva de nossa sociedade. A agricultura é o maior usuário da água, seguida pela indústria, que não existe sem água em quantidade e de boa qualidade.

A dependência toda não impede que exatamente estas atividades destruam continuamente a preciosa e indispensável matéria-prima para a produção de suas riquezas. Hoje, quando migram, as indústrias vão atrás de água de boa qualidade, abandonando lugares onde elas já destruíram a água a tal ponto que não lhes serve mais ou tornou-se muito caro tratá-la. Quando os cidadãos do planeta ficarem realmente sabendo disto talvez já seja tarde para tomar medidas suficientemente fortes. A despeito da grande quantidade de água que existe em nosso planeta, apenas uma pequena quantidade dela é potável (menos de 5%). Desta pequena parte, somente a metade está disponível para nós, pois a outra parte está congelada nos pólos e nos picos das montanhas.

Formas de contaminação
No Brasil, temos grande quantidade de água, bastante bem distribuída, o que nos dá a sensação de que por isto podemos desperdiçar. Este é o pior dos enganos. É facílimo aniquilar com a água de qualidade. Basta poluí-la. Ela continua ali, dá a impressão de estar disponível, mas está envenenada. Muitas vezes continua até transparente e bonita, mas se encontra totalmente contaminada e oferece mais risco para o consumo do que outras extremamente escuras e feias.
Muitas são as formas de contaminação da água. A mais falada delas e mais freqüente em termos de quantidade é a contaminação por resíduos orgânicos. Seja ela causada pelos esgotos domésticos, seja por esgotos industriais. As nossas casas são culpadas por grande carga orgânica que as águas recebem, principalmente nos centros urbanos. As indústrias também são enorme fonte de poluição orgânica através de seus esgotos.Indústrias alimentícias, curtumes, celuloses e tantas outras que lidam com quantidades enormes de matéria orgânica são capazes de, sozinhas, poluírem mais do que uma cidade de porte médio. O pior sobre esta carga orgânica é o fato de que ela poderia ser evitada, totalmente, tratando os esgotos antes de jogá-los nos rios.
foto Dulce Helfer

Outras substâncias
A pior poluição para a água, porém, não é a orgânica. A poluição orgânica é basicamente o exagero de alguma coisa boa, que é matéria orgânica.A presença de matéria orgânica é importante para a qualidade da água, pois a sua presença garante a alimentação de várias espécies existentes na água. O excesso é que se torna perigoso porque acaba “apodrecendo” através da sua decomposição em grandes quantidades, que rouba todo o oxigênio dissolvido na água, que é necessário para os seres vivos que nela habitam.
A pior poluição é aquela que introduz na água substâncias que jamais deveriam estar nela. Este é o caso de metais pesados como o mercúrio, o cromo, o chumbo e de substâncias artificiais venenosas como os agrotóxicos, ftalatos e dioxinas que são lançados na natureza e na água pela agricultura e pela indústria.
Na agricultura são usados venenos, sejam eles herbicidas, inseticidas, acaricidas, fungicidas ou quaisquer outros. Estas substâncias são jogadas nas plantações e através da chuva ou da irrigação são carregadas para os rios, onde causam estragos imensuráveis. Já na indústria são usados produtos tóxicos, nos processos de fabricação dos mais variados produtos. Após usados, estes produtos, em geral misturados, vão parar nos esgotos industriais que são jogados também nos rios, muitas vezes, sem nenhum tratamento. Estas substâncias têm efeito tóxico muitas vezes maior que a matéria orgânica. Elas provocam doenças degenerativas, como o câncer, muitos problemas nervosos e muitas se acumulam no nosso organismo para sempre. Este tipo de mal que estamos introduzindo na nossa principal base para a vida é que não podemos permitir que nos unamos todos para garantir o nosso futuro, tanto na saúde como no trabalho para os quais a coisa mais importante é a boa água.
artigo pertencente a livro que será lançado  14 de novembro de 2011, na  feira do livro de Porto Alegre.
                                                        
foto da Dulce Helfer

Por uma Educação para o Desenvolvimento Sustentável

Foto Dulce Helfer


Atualmente vivemos muitos desafios simultâneos. Temos grandes crises na economia, na saúde, na segurança, no ambiente, nos valores, na educação. Cada uma delas seria o suficiente para que gastássemos muita energia, juntas uma alimenta a outra e fica bem mais complicado. O fato é que estamos passando para uma nova era onde não mais poderemos fingir que resolvemos as questões isoladamente como sempre fizemos no passado, sem nunca realmente solucionarmos nada e sempre postergarmos.
Este é o desafio que nos traz o desenvolvimento sustentável, já que fica evidente a crise ambiental que põe em risco a vida no planeta e nos obriga a um novo tipo de desenvolvimento que não só pare a destruição como também reconstrua muito do que já foi destruído.
Para “inventarmos” um desenvolvimento assim temos que corrigir os erros que nos levaram ao estado atual de risco. O maior deles é a desconexão do conhecimento fruto da fragmentação dos conhecimentos e de nossa incapacidade de utilizá-los de forma unificada. Sempre simplificamos olhando apenas alguns dos aspectos de uma questão e com isto perdemos a visão do todo e a capacidade de administrá-lo também.
Entre os milhares de desafios que se apresentam através do desafio central de por em prática este novo tipo de desenvolvimento que permita mantermos ou melhorarmos a qualidade de vida na terra estão: a busca de novas formas de produção da energia, novas formas de produção de bens, novos materiais sustentáveis e menos poluentes, novas formas de inclusão social, novos valores, novos transportes, novas formas de produzir alimentos saudáveis. Nenhum destes gigantes desafios se compara ao de articular todos os demais desafios em soluções uníssonas e viáveis.
Para que consigamos pessoas que desenvolvam esta nova visão integrada necessitamos rever a forma de produzi-las, a educação. É urgente que se inicie um grande movimento de construção desta nova educação a ecopedagogia, a educação para o desenvolvimento sustentável.  O desafio é ainda maior porque temos que preparar as pessoas para algo que não fomos preparados e portanto, o caminho tem de ser construído ao mesmo tempo em que caminhamos. Se por um lado é um imenso desafio por outro é uma gigantesca possibilidade de aprendermos muito mais sobre como viver em harmonia com nosso meio e, com todas as mudanças que se farão necessárias quem sabe reencontramos a fonte de nossa própria harmonia.
Fica para os professores, como sempre, a tarefa mais dura e mais linda a de ensinar aprendendo esta nova lição.

Francisco Milanez   professor, biólogo, arquiteto, escritor e ambientalista é presidente da AGAPAN (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural) primeira entidade da luta ecológica brasileira, completando 40 anos em abril de 2011 .